Ena Shamaena. Uma das experiências mais radicais do ser humano é descobrir a sua essência e, com ela, o seu propósito. Essa premissa, estudada e afirmada por Nietsche (com o conselho “Torna-te quem tu és”), e cuja referência também é atribuída a Sócrates e aos oráculos gregos ("Conhece-te a ti mesmo"), constitui um dos pilares que formam a vasta sabedoria da Cabala. De origem proto semítica, a tradição da Cabala contempla um universo de conhecimento e de experimentação tão vasto que a tentativa de explicitar onde ela atua e se concentra, enquadrando-a em alguma área do conhecimento ou nicho, seja ele acadêmico ou espiritual, é vã e até mesmo impossível, sob pena de desconsiderar a sua abrangência. Conhecida mundialmente através e sob a ótica da disseminação que popularizou a Cabala Judaica, cujas bases fundamentais, em boa parte, foram fixadas no período medieval, a Cabala não tem origem em nenhuma religião, e não está atrelada ao Judaísmo. Ela vem muito antes do advento de qualquer movimento religioso, e tem no Pentateuco (5 Livros de Moisés), o seu maior arcabouço de análise (sem ser o único, entretanto, pois além de haver outras obras, como o Livro da Formação, atribuído a Abrahão, e o Livro de Raziel, esta é uma tradição oral, que, por seu caráter fluente, não está encerrada em termos escritos). O termo Cabala vem do aramaico Kabalta (hebraico Kabalah, por sua vez vindo do verbo Le Kabel), que significa literalmente receber, indicando que o robusto conhecimento que advém de seu estudo propõe a experiência de receber a vida em sua totalidade, integrando tudo que existe, ao propor acesso e compreensão sobre os fios da experiência humana e de como eles se entrelaçam em uma tapeçaria universal, bela e fundamentalmente livre. Muitas vezes atribuída a processos de ordens místicas ou sobrenaturais, o mergulho nesta sabedoria demonstra que muito longe e para além disto, aquele que se dedica a estudar e viver a tradição da Cabala está mais para um psicólogo, um terapeuta da vida, do que para um lidador das ciências místicas. A Cabala Ancestral nos devolve o senso de lucidez e coerência para entender que a potência divina, cujas bases, espírito e essencialidade foram entregues por muitas religiões a templos, dogmas e procedimentos obrigatórios, na verdade se revela na lida com o outro e com a natureza, com os animais, rios, mares, montanhas, estrelas, e todo cosmo. Assim, passa-se a compreender o que, de fato é Sagrado. A dinâmica da experiência cabalista é um mergulho profundo e sofisticado na natureza humana, e ocorre, dentre outros modos, através dos estudos dos arquétipos bíblicos, que nos mostram que as personagens e os lugares geográficos que compõem o Pentateuco são na verdade estados de consciência que precisamos desenvolver. A Cabala decifra os códigos da vida e da existência, que são revelados em tom de poesia e de uma canção original que nos conecta com o que há de mais essencial. Essa Sabedoria recoloca o feminino (para além do gênero) em seu lugar de origem e força, onde sobre ele há reverência e contemplação. Ao som do poema bíblico que quando decifrado através da língua original com a qual foi escrito nos mostra que em nada se parece com as traduções às quais o mundo em geral tem acesso, a experiência da Cabala nos permite desenvolver a virtude de ver, ouvir e compreender a aventura humana de forma profunda. Ao viver esta experiência há quatorze anos, e tendo passado por diferentes escolas com distintas linhas de pensamento, pelas quais sou profundamente grata, através desta página decidi me propor a revelar (o que ouvi, Shamaena) o que venho aprendendo na Cabala Ancestral (Kabalta Kianá), o movimento do qual faço parte há mais de quatro anos, e onde decidi experenciar a Tradição da Cabala de forma visceral. A Cabala Ancestral é um movimento revolucionário, e falar sobre ela, mais do que um ato de revolução, é fundamental. Convido a todas, todos e todes a conhecê-la através daquilo que meu coração, com singeleza e humildade, entende que possa alcançar a quem, como eu, sente que a vida é muito mais do que existir, simplesmente, mas que requer a coragem e a disponibilidade de ser quem se é, e de descobrir qual o nosso propósito na intensa e múltipla experiência humana. 1 de Simanu de 5785. 

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